História do ferreiro japonês e da sua oficina de facas, onde facas artesanais e lâminas artesanais mantêm viva a tradição da cutelaria japonesa.História do ferreiro japonês e da sua oficina de facas, onde facas artesanais e lâminas artesanais mantêm viva a tradição da cutelaria japonesa.

Enquanto clientes recusam trocar facas artesanais antigas por lâminas artesanais industriais perfeitas, o ferreiro japonês Toshio Nakamura mantém a oficina de facas ativa todos os dias, bebe shochu diluído e escreve um capítulo discreto da cutelaria japonesa voltada a agricultores e cozinhas profissionais que seguem fiéis às mesmas lâminas décadas

Aos 85 anos, o ferreiro japonês Toshio Nakamura segue abrindo a porta da própria oficina de facas todos os dias, repetindo uma rotina que começou há 69 anos, quando o tio o colocou diante da forja pela primeira vez. Desde então, ele atravessou décadas de transformação na cutelaria japonesa sem tirar um único dia de folga, atendendo gerações de agricultores e cozinheiros que se acostumaram a suas facas artesanais de aço moldadas à mão.

Na loja aberta há mais de meio século, onde afirma trabalhar há 69 anos seguidos, Nakamura organiza o dia entre o calor do fogo, o barulho dos martelos mecânicos e o cheiro de óleo de têmpera. À noite, depois de longas jornadas, ele recorre a pequenos copos de shochu diluído para suportar o cansaço acumulado nas pernas, que recentemente o obrigaram a tratamentos em fontes termais, mas não o tiraram da bancada da oficina de facas.

69 anos em frente à forja de uma oficina de facas

História do ferreiro japonês e da sua oficina de facas, onde facas artesanais e lâminas artesanais mantêm viva a tradição da cutelaria japonesa.

Toshio Nakamura conta que entrou nesse ofício porque o tio o levou à forja e o colocou para ajudar na produção. Nunca mais saiu.

Ele próprio resume a trajetória com uma frase seca: não consegui desistir e nunca pulei um dia de trabalho. Ao longo de 69 anos, diz ter feito centenas de facas artesanais, talvez mais, sempre em regime praticamente diário.

A loja física onde atende os clientes está aberta há mais de 52 anos. No pequeno espaço, o ferreiro japonês circula entre a forja, as máquinas de martelar e as pedras de afiação, repetindo gestos que refaz há décadas.

Ao lado dele, o filho trabalha há cerca de seis anos na mesma oficina de facas, aprendendo gradualmente técnicas que o pai considera impossíveis de explicar apenas com palavras. Para os dois, o aprendizado é contínuo, com pequenas evoluções dia após dia.

Facas artesanais sob medida para agricultores e cozinhas

O coração do negócio são as facas artesanais encomendadas diretamente pelos clientes, sobretudo agricultores que precisam colher espinafre, repolho e outros vegetais com eficiência.

Nakamura desenha lâminas artesanais com espessura diferente do padrão industrial, afinando a parte próxima ao fio e facilitando a afiação no dia a dia.

Ele insiste que cada pedido começa pela pergunta sobre o uso, o formato do corte e a rotina de trabalho de quem vai usar a faca.

Em vez de vender em atacado ou trabalhar com grandes varejistas, o ferreiro japonês prefere relações diretas.

Agricultores, cozinheiros e clientes antigos chegam com ideias específicas, pedem uma lâmina artesanal mais fina, uma curvatura diferente ou um ângulo de corte adaptado a um tipo de colheita.

Muitas dessas facas artesanais retornam à oficina de facas apenas para manutenção e afiação, décadas depois de terem sido entregues, com usuários que se recusam a substituí-las por modelos industriais novos e perfeitos.

Temperatura, martelos e a engenharia das lâminas artesanais

A rotina técnica de Toshio Nakamura é guiada por dois parâmetros principais: temperatura e martelamento.

No início do processo, ele aquece o aço até uma cor laranja clara, em torno de 850 graus Celsius, que considera o ponto ideal para deformar o material sem comprometer a estrutura. Se a temperatura sobe demais, explica, a lâmina perde qualidade e o trabalho precisa ser refeito.

Na sequência, o ferreiro japonês alterna entre um martelo mecânico grande e outro pequeno, decidindo qual usar conforme a etapa de deformação da peça.

A posição em que apoia o aço altera o modo como o material se estica, o que exige ajustes constantes. Ele afirma que muitas oficinas de cutelaria japonesa já migraram para prensas que moldam tudo de uma vez, mas que esse método não serve para as lâminas artesanais de espessura variável que produz.

Em vez disso, prefere martelar e modelar a peça em várias rodadas, usando também o revenimento em temperaturas abaixo de cerca de 800 graus para eliminar deformações internas e melhorar a nitidez do fio.

Têmpera em óleo e acabamento de cutelaria japonesa

Depois da modelagem, as lâminas artesanais passam por um processo cuidadoso de têmpera em óleo. Nakamura aquece o aço novamente, sem levá-lo ao limite da deformação, e mergulha a peça lentamente no óleo por cerca de 30 minutos.

A ideia é resfriar de forma controlada, garantindo que a estrutura da lâmina retenha o fio por mais tempo sem se tornar quebradiça. Ele repete que, se essa etapa não for feita corretamente, a faca pode até parecer bonita, mas jamais terá o corte que o cliente espera.

Na etapa seguinte, o ferreiro japonês usa uma base de granito e pedras de afiação para limpar resíduos de óleo e preparar a superfície para o jato de areia.

Com esse equipamento, ele realça a linha divisória entre o aço mais duro da borda e a parte restante da lâmina, criando três tonalidades visíveis no metal. Esse contraste visual é típico da cutelaria japonesa e ajuda a identificar o tipo de aço e o estilo de construção.

Por fim, Nakamura testa o fio cortando materiais simples e só então aplica o cabo, muitas vezes com ferramentas improvisadas que diz serem suficientes para o padrão de qualidade que persegue.

Quando a oficina de facas vale mais que a perfeição industrial

Ao longo dos anos, a base de clientes cresceu com indicações boca a boca. Segundo Nakamura, muitos compradores já tentaram migrar para facas industriais, produzidas em massa com tolerâncias perfeitas, mas retornaram à oficina de facas pedindo novas lâminas artesanais desenhadas por ele.

Ele reconhece que seus produtos podem parecer ásperos ou rústicos à primeira vista, mas afirma que o verdadeiro diferencial aparece no uso cotidiano, na mão de quem trabalha o dia inteiro com a faca.

O ferreiro japonês relata casos de clientes que levaram demandas específicas, como uma inclinação especial para colheita em campos irregulares ou uma ponta adaptada para determinado tipo de corte, e acabaram fiéis às facas artesanais resultantes dessas conversas.

Ele não se preocupa com embalagens sofisticadas nem com presença em lojas modernas, preferindo que a própria experiência de uso convença o freguês. Na prática, esse modelo o mantém numa posição singular dentro da cutelaria japonesa contemporânea, onde a lógica industrial convive com oficinas pequenas que atendem nichos altamente especializados.

Shochu, rotina e futuro da cutelaria japonesa na família

Aos 85 anos, com relatos recentes de dores nas pernas e dificuldades temporárias para andar, Toshio Nakamura admite que a rotina na oficina de facas se tornou fisicamente mais pesada.

Para aliviar o corpo, tem recorrido a banhos em fontes termais e a pequenos copos de shochu diluído durante alguns momentos de descanso. Ele diz, em tom meio sério meio brincalhão, que não consegue viver sem shochu e que o licor virou quase um companheiro de trabalho.

O filho, que atua ao lado dele há seis anos, diz não acreditar que vá alcançar o nível do pai na cutelaria japonesa, mas tenta aprender um pouco mais a cada dia, corrigindo pequenos erros que ontem não conseguia evitar.

O próprio Nakamura avalia que a força física está diminuindo, mas que ainda encontra satisfação quando um cliente volta e comenta que a faca é incrível ou que a lâmina continua funcionando melhor que modelos novos.

Em meio a dúvidas sobre quanto tempo ainda conseguirá manter o ritmo, ele segue insistindo na mesma fórmula: ferreiro japonês, facas artesanais, lâminas artesanais feitas sob medida e uma oficina de facas que resiste à passagem do tempo.

E você, se pudesse escolher para a sua cozinha ou para o campo, ficaria com uma faca industrial perfeita ou com uma lâmina artesanal feita por um ferreiro japonês de 85 anos que ainda trabalha todos os dias?

Autor

  • Bruno Teles

    Falo sobre tecnologia, inovação, automotivo e curiosidades. Atualizo diariamente sobre oportunidades no mercado brasileiro.
    Com mais de 7.000 artigos publicados nos sites CPG, Naval Porto Estaleiro, Mineração Brasil e Obras Construção Civil.
    Alguma sugestão de pauta? Manda no brunotelesredator@gmail.com

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